Linguagem, língua, Lingüística
Margarida Petter
Uma das grandes escolas de
iniciação da savana sudanesa, o Komo, diz
que a Palavra (kuma) era um atributo reservado a Deus, que por ela criava as
coisas: "o que Maa Ngala (Deus) diz é".
No
começo, só havia um vazio vivo, vivendo da vida do Ser. Um que se chama a si mesmo
Maa Ngala. Então ele criou Fan, o ovo primordial, que nos seus nove
compartimentos alojava nove estados fundamentais da existência.
Quando
esse ovo abriu, as criaturas que daí saíram eram mudas.
Então
para se dar um interlocutor, Maa Ngala tirou uma parcela de cada uma das criaturas, misturou-as e por um sopro de fogo que
emanava dele mesmo, constituiu um ser à parte: o homem, ao qual deu uma parte
de seu próprio nome, Maa (homem).
Hampâté
Bâ
No princípio, Deus criou o céu e
a terra. A terra, porém, estava informe e vazia, e as trevas cobriam a face do
abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre as águas.
E Deus
disse: Exista a luz. E a luz existiu. E Deus viu que a luz era boa; e separou a
luz das trevas. E chamou à luz dia, e às trevas noite. E fez-se tarde e manhã,
(e foi) o primeiro dia.
Gênesis,
I, 1-5
É notável a semelhança
observada nas explicações em epígrafe sobre a origem do mundo: embora
formuladas em épocas remotas por sociedades bem diversas, associam a palavra -
a linguagem verbal - ao poder mágico de criar. O fascínio que a linguagem
sempre exerceu sobre o homem vem desse poder que permite não só
nomear/criar/transformar o universo real, mas também possibilita trocar
experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir a existir, e até mesmo imaginar
o que não precisa nem pode existir. A linguagem verbal é, então, a matéria do
pensamento e o veículo da comunicação social. Assim como não há sociedade sem
linguagem, não há sociedade sem comunicação. Tudo o que se produz como
linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal, constitui uma
realidade material que se relaciona com o que lhe é exterior, com o que existe
independentemente da linguagem. Como realidade material- organização de sons,
palavras, frases - a linguagem é relativamente autônoma; como expressão de
emoções, idéias, propósitos, no entanto, ela é orientada pela visão de mundo,
pelas injunções da realidade social, histórica e cultural de seu falante.
A complexidade do fenômeno
Lingüística vem há muito desafiando a compreensão dos estudiosos. Retraçaremos,
inicialmente, a história dessa busca para entender como o objeto de estudo -
linguagem, língua - foi aos poucos se delineando e assumindo as configurações
que hoje possui nos estudos Lingüísticos.
Introdução à Lingüística
1. Uma breve história do estudo
da linguagem:
O interesse pela linguagem é
muito antigo, expresso por mitos, lendas, cantos, rituais ou por trabalhos
eruditos que buscam conhecer essa capacidade humana. Remontam ao século IV a.c.
os primeiros estudos. Inicialmente, foram razões religiosas que levaram os
hindus a estudar sua língua, para que os textos sagrados reunidos no Veda não
sofressem modificações no momento de ser proferidos. Mais tarde os gramáticos
hindus, entre os quais Panini (século IV a.c.), dedicaram-se a descrever
minuciosamente sua língua, produzindo modelos de análise que foram descobertos
pelo Ocidente no final do século XVIII.
Os gregos preocuparam-se,
principalmente, em definir as relações entre o conceito e a palavra que o
designa, ou seja, tentavam responder à pergunta: haverá uma relação necessária
entre a palavra e o seu significado? Platão discute muito bem essa questão no
Crátilo. Aristóteles desenvolveu estudos noutra direção, tentando proceder a
uma análise precisa da estrutura Lingüística, chegou a elaborar uma teoria da
frase, a distinguir as partes do discurso e a enumerar as categorias
gramaticais.
Dentre
os latinos, destaca-se Varrão que, na esteira dos gregos, dedicou-se à gramática,
esforçando-se por defini-la como ciência e como arte.
Na Idade Média, os modistas
consideraram que a estrutura gramatical das línguas é una e universal, e que,
em conseqüência, as regras da gramática são independentes das línguas em que se
realizam.
No século XVI, a religiosidade
ativada pela Reforma provoca a tradução dos livros sagrados em numerosas
línguas, apesar de manter-se o prestígio do latim como língua universal.
Viajantes, comerciantes e diplomatas trazem de suas experiências no estrangeiro
o conhecimento de línguas até então desconhecidas. Em 1502 surge o mais antigo
dicionário poliglota, do italiano Ambrosio Calepino.
Os séculos XVII e XVIII vão
dar continuidade às preocupações dos antigos. Em 1660, a Grammaire Générale et
Raisonnée de Port Royal, ou Gramática de Port Royal, de Lancelot e Arnaud,
modelo para grande número de gramáticas do século XVII, demonstra que a
linguagem se funda na razão, é a imagem do pensamento e que, portanto, os
princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua particular, mas
servem a toda e qualquer língua.
O conhecimento de um número
maior de línguas vai provocar, no século XIX, o interesse pelas línguas vivas,
pelo estudo comparativo dos falares, em detrimento de um raciocínio mais abstrato
sobre a linguagem, observado no século anterior. É nesse período que se
desenvolve um método histórico, instrumento importante para o florescimento das
gramáticas comparadas e da Lingüística Histórica. O pensamento lingüístico
contemporâneo, mesmo que em novas bases, formou-se a partir dos princípios
metodológicos elaborados nessa época, que preconizavam a análise dos fatos
observados. O estudo comparado das línguas vai evidenciar o fato de que as
línguas se transformam com o tempo, independentemente da vontade dos homens,
seguindo uma necessidade própria da língua e manifestando-se de forma regular.
Franz Bopp é o estudioso que
se destaca nessa época. A publicação, em 1816, de sua obra sobre o sistema de
conjugação do sânscrito, comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico
é considerada o marco do surgimento da Lingüística Histórica. A descoberta de
semelhanças entre essas línguas e grande parte das línguas européias vai evidenciar
que existe entre elas uma relação de parentesco, que elas constituem, portanto,
uma família, a indo-européia, cujos membros têm uma origem comum, o
indo-europeu, ao qual se pode chegar por meio do método histórico-comparativo.
O grande progresso na
investigação do desenvolvimento histórico das línguas ocorrido no século XIX
foi acompanhado por uma descoberta fundamental que veio a alterar,
modernamente, o próprio objeto de análise dos estudos sobre a linguagem -
língua literária - até então. Os estudiosos compreenderam melhor do que seus predecessores
que as mudanças observadas nos textos escritos correspondentes aos diversos
períodos que levaram, por exemplo, o latim a transformar-se, depois de alguns
séculos, em português, espanhol, italiano, francês, poderiam ser explicadas por
mudanças que teriam acontecido na língua falada correspondente. A Lingüística
moderna, embora também se ocupe da expressão escrita, considera a prioridade do
estudo da língua falada como um de seus princípios fundamentais.
É no início do século XX, com
a divulgação dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, professor da Universidade
de Genebra, que a investigação sobre a linguagem - a Lingüística - passa a ser
reconhecida como estudo científico. Em 1916, dois alunos de Saussure, a partir
de anotações de aula, publicam o Curso de Lingüística geral, obra fundadora da
nova ciência.
Antigamente, a Lingüística não
era autônoma, submetia-se às exigências de outros estudos, como a lógica, a
filosofia, a retórica, a história, ou a crítica literária. O século XX operou
uma mudança central e total dessa atitude, que se expressa no caráter
científico dos novos estudos lingüísticos, que estarão centrados na observação
dos fatos de linguagem.
O método científico supõe que
a observação dos fatos seja anterior ao estabelecimento de uma hipótese e que
os fatos observados sejam examinados sistematicamente mediante experimentação e
uma teoria adequada. O trabalho científico consiste em observar e descrever os
fatos a partir de determinados pressupostos teóricos formulados pela
Lingüística, ou seja, o lingüista aproxima-se dos fatos orientado por um quadro
teórico específico. Daí ser possível que para o mesmo fenômeno haja diferentes
descrições e explicações, dependendo do referencial teórico escolhido pelo
pesquisador.
Antes de explicitar melhor o
que é a Lingüística e como ela desenvolve sua pesquisa convém definir seu
objeto.
2. O que é a linguagem?
Está implícito na formulação
dessa pergunta o reconhecimento de que as línguas naturais, notadamente
diversas, são manifestações de algo mais geral, a linguagem. Tal constatação
fica mais patente se pensarmos em traduzi-la para o inglês, que possui um único
termo - language - para os dois conceitos - língua e linguagem. É necessário,
então, que se procure distinguir essas duas noções.
O desenvolvimento dos estudos
lingüísticos levou muitos estudiosos a proporem definições da linguagem,
próximas em muitos pontos e diversas na ênfase atribuída a diferentes aspectos
considerados centrais pelo seu autor. Neste capítulo introdutório serão apresentadas
duas propostas, a de Saussure e a de Chomsky, que pressupõem uma teoria geral
da linguagem e da análise Lingüística.
Saussure considerou a
linguagem "heteróclita e multifacetada", pois abrange vários
domínios; é ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica; pertence ao domínio
individual e social; "não se deixa
classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como
inferir sua unidade" (1969: 17). A linguagem envolve uma complexidade
e uma diversidade de problemas que suscitam a análise de outras ciências, como
a psicologia, a antropologia etc., além da investigação Lingüística, não se
prestando, portanto, para objeto de estudo dessa ciência. Para esse fim,
Saussure separa uma parte do todo linguagem, a língua - um objeto unificado e
suscetível de classificação. A língua é uma parte essencial da linguagem;
"é um produto social da faculdade da
linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social
para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos" (1969: 17).
A língua é para Saussure
"um sistema de signos" - um conjunto de unidades que se relacionam
organizadamente dentro de um todo. É "a parte social da linguagem",
exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis
do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade.
O conjunto linguagem-língua
contém ainda um outro elemento, conforme Saussure, a fala. A fala é um ato
individual; resulta das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o
código da língua; expressa-se pelos mecanismos psicofísicos (atos de fonação)
necessários à produção dessas combinações.
A distinção
linguagem/língua/fala situa o objeto da Lingüística para Saussure. Dela decorre
a divisão do estudo da linguagem em duas partes: uma que investiga a língua e
outra que analisa a fala. As duas partes são inseparáveis, visto que são interdependentes:
a língua é condição para se produzir a fala, mas não há língua sem o exercício
da fala. Há necessidade, portanto, de duas Lingüísticas: a Lingüística da
língua e a Lingüística da fala. Saussure focalizou em seu trabalho a
Lingüística da língua, "produto social depositado no cérebro de cada
um", sistema supra-individual que a sociedade impõe ao falante.
Para o mestre genebrino,
"a Lingüística tem por único e
verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma, e por si mesma".
Os seguidores dos princípios saussureanos esforçaram-se por explicar a língua
por ela própria, examinando as relações que unem os elementos no discurso e
buscando determinar o valor funcional desses diferentes tipos de relações. A
língua é considerada uma estrutura constituída por uma rede de elementos, em
que cada elemento tem um valor funcional determinado. A teoria de análise
lingüística que desenvolveram, herdeira das idéias de Saussure, foi denominada
estruturalismo. Os princípios teórico-metodológicos dessa teoria ultrapassaram
as fronteiras da Lingüística e a tomaram "ciência piloto" entre as
demais ciências humanas, até o momento em que se tomou mais contundente a
crítica ao caráter excessivamente formal e distante da realidade social da
metodologia estruturalista desenvolvido pela Lingüística.
Em meados do século XX, o
norte-americano Noam Chomsky trouxe para os estudos lingüísticos uma nova onda
de transformação. Em seu livro Syntactic Structures (1957:13), afirma: "Doravante considerarei uma linguagem como um
conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e
construída a partir de um conjunto finito de elementos". Essa
definição abrange muito mais do que as línguas naturais, mas, conforme seu autor,
todas as línguas naturais são, seja na forma falada, seja na escrita,
linguagens, no sentido de sua definição, visto que:
·
. toda língua natural possui um número finito de sons (e um número
finito de sinais gráficos que os representam, se for escrita);
·
. mesmo que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito,
cada sentença só pode ser representada como uma seqüência finita desses sons
(ou letras).
Cabe ao lingüista que descreve
qualquer uma das línguas naturais determinar quais dessas seqüências finitas de
elementos são sentenças, e quais não são, isto é, reconhecer o que se diz e o
que não se diz naquela língua. A análise das línguas naturais deve permitir
determinar as propriedades estruturais que distinguem a língua natural de
outras linguagens. Chomsky acredita que tais propriedades são tão abstratas,
complexas e específicas que não poderiam ser aprendidas a partir do nada por
uma criança em fase de aquisição da linguagem. Essas propriedades já devem ser
"conhecidas" da criança antes de seu contato com qualquer língua
natural e devem ser acionadas durante o processo de aquisição da linguagem.
Para Chomsky, portanto, a linguagem é uma capacidade inata e específica da
espécie, isto é, transmitida geneticamente e própria da espécie humana. Assim
sendo, existem propriedades universais da linguagem, segundo Chomsky e os que
compartilham de suas idéias. Esses pesquisadores dedicam-se à busca de tais
propriedades, na tentativa de construir uma teoria geral da linguagem
fundamentada nesses princípios. Essa teoria é conhecida como gerativismo.
Assim como Saussure - que
separa língua de fala, ou o que é lingüístico do que não é - Chomsky distingue
competência de desempenho. A competência Lingüística é a porção do conhecimento
do sistema lingüístico do falante que lhe permite produzir o conjunto de
sentenças de sua língua; é um conjunto de regras que o falante construiu em sua
mente pela aplicação de sua capacidade inata para a aquisição da linguagem aos
dados lingüísticos que ouviu durante a infância. O desempenho corresponde ao
comportamento lingüístico, que resulta não somente da competência Lingüística
do falante, mas também de fatores não lingüísticos de ordem variada, como: convenções
sociais, crenças, atitudes emocionais do falante em relação ao que diz,
pressupostos sobre as atitudes do interlocutor etc., de um lado; e, de outro, o
funcionamento dos mecanismos psicológicos e fisiológicos envolvidos na produção
dos enunciados. O desempenho pressupõe a competência, ao passo que a
competência não pressupõe desempenho. A tarefa do lingüista é descrever a
competência, que é puramente Lingüística, subjacente ao desempenho.
A língua - sistema lingüístico
socializado - de Saussure aproxima a Lingüística da Sociologia ou da Psicologia
Social; a competência - conhecimento lingüístico intemalizado - aproxima a
Lingüística da Psicologia Cognitiva ou da Biologia.
3.
Existe linguagem animal?
Um estudo clássico sobre o
sistema de comunicação usado pelas abelhas, publicado em 1959 por Karl von
Frisch, revela que a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de alimento,
regressa à colméia e transmite a informação às companheiras por meio de dois
tipos de dança: circular, traçando círculos horizontais da direita para a
esquerda e viceversa, ou em forma de oito, em que a abelha contrai o abdome,
segue em linha reta, depois faz uma volta completa à esquerda, de novo corre em
linha reta e faz um giro para a direita, e assim sucessivamente. Se o alimento
está próximo, a menos de cem metros, a abelha executa uma dança circular; se
está distante, realiza uma dança em forma de oito. A mensagem transmitida pela
dança em forma de oito é muito precisa, porque indica a distância em metros:
para uma distância de cem metros, a abelha percorre nove ou dez vezes em 15
segundos a linha reta que faz parte da dança. Quanto maior a distância, menos giros
faz a abelha (para 500 metros faz seis giros em 15 segundos). A direção a ser
seguida é dada pela direção da linha reta em relação à posição do sol.
Os dois tipos de dança
apresentam-se como verdadeiras mensagens que anunciam a descoberta para a
colméia: ao perceber o odor da obreira ou absorvendo o néctar que ela deglute,
as abelhas se dão conta da natureza do alimento; ao observar a dança, as
abelhas descobrem o local onde se encontra a fonte do alimento.
Os estudos do zoólogo alemão
fazem uma importante revelação sobre o funcionamento de uma
"linguagem" animal, que permite avaliar pelo confronto a
singularidade da linguagem humana, conforme assinala Benveniste (1976). Embora
seja bem preciso o sistema de comunicação das abelhas - ou de qualquer outro
animal cuja forma de comunicação já tenha sido analisada - ele não constitui
uma linguagem, no sentido em que o termo é empregado quando se trata de
linguagem humana, como se pretende demonstrar a seguir.
As abelhas são capazes de:
(a) compreender uma mensagem
com muitos dados e de reter na memória informações sobre a posição e a
distância; e
(b) produzir uma mensagem
simbolizando - representando de maneira convencional- esses dados por diversos
comportamentos somáticos.
Essas constatações evidenciam
que esse sistema de comunicação cumpre as condições necessárias à existência de
uma linguagem: há simbolismo, ou seja, capacidade de formular e interpretar um
"signo" (qualquer elemento que represente algo de forma
convencional); há memória da experiência e aptidão para analisá-la. Assim como
a linguagem humana, esse sistema é válido no interior de uma comunidade e todos
os seus membros são aptos a empregá-lo e compreendê-lo da mesma forma.
No
entanto, as diferenças entre o sistema de comunicação das abelhas e a linguagem
humana são consideráveis:
(a) a
mensagem se traduz pela dança exclusivamente, sem intervenção de um "aparelho
vocal", condição essencial para a linguagem;
(b) a
mensagem da abelha não provoca uma resposta, mas apenas uma conduta, o que significa que não há diálogo;
(c) a comunicação se refere a
um dado objetivo, fruto da experiência. A abelha não constrói uma mensagem a
partir de outra mensagem. A linguagem humana caracteriza-se por oferecer um
substituto à experiência, apto a ser transmitido infinitamente no tempo e no
espaço;
(d) o conteúdo da mensagem é
único - o alimento, a única variação possível refere-se à distância e à
direção; o conteúdo da linguagem humana é ilimitado; e
(e) a mensagem das abelhas não
se deixa analisar, decompor em elementos menores.
É esse último aspecto a
característica mais marcante que opõe a comunicação das abelhas à linguagem
humana. Num enunciado lingüístico como "Quero água" é possível
identificar três elementos portadores de significado: quer- (radical verbal) +
-o (desinência número-pessoal), água, denominados morfemas. Prosseguindo a
decomposição, pode-se chegar a elementos menores ainda. No enunciado
"Quero água", a menor unidade, os segmentos sonoros, denominados
fonemas, permitem distinguir significado, como se pode observar na substituição
de (á) por (é) em água égua. Essa é a propriedade da articulação, que é
fundamental na linguagem humana, pois permite produzir uma infinidade de
mensagens novas a partir de um número limitado de elementos sonoros
distintivos.
Em síntese, a comunicação das
abelhas não é uma linguagem, é um código de sinais, como se pode observar pelas
suas características: conteúdo fixo, mensagem invariável, relação a uma só situação,
transmissão unilateral e enunciado indecomponível. Benveniste chama a atenção,
ainda, para o fato de que essa forma de comunicação tenha sido observada entre
insetos que vivem em sociedade e é a sociedade a condição para a linguagem.
4. O que é Lingüística?
Como o termo linguagem pode
ter um uso não especializado bastante extenso, podendo referir-se desde a
linguagem dos animais até outras linguagens - música, dança, pintura, mímica
etc. - convém enfatizar que a Lingüística detém-se somente na investigação
científica da linguagem verbal humana. No entanto, é de se notar que todas as
linguagens (verbais ou não-verbais) compartilham uma característica importante
- são sistemas de signos usados para a comunicação. Esse aspecto comum tornou
possível conceber-se uma ciência que estuda todo e qualquer sistema de signos.
Saussure a denominou Semiologia; Peirce a chamou de Semiótica. A Lingüística é,
portanto, uma parte dessa ciência geral; estuda a principal modalidade dos
sistemas sígnicos, as línguas naturais, que são a forma de comunicação mais
altamente desenvolvida e de maior uso.
Uma pintura, uma dança, um
gesto podem expressar, mesmo que sob formas diversas, um mesmo conteúdo básico,
mas só a linguagem verbal é capaz de traduzir com maior eficiência qualquer um
desses sistemas semióticos. As línguas naturais situam-se numa posição de
destaque entre os sistemas sígnicos porque possuem, entre outras, as
propriedades de flexibilidade e adaptabilidade, que permitem expressar
conteúdos bastante diversificados: emoções, sentimentos, ordens, perguntas,
afirmações, como também possibilitam falar do presente, passado ou futuro.
Os estudos lingüísticos não se
confundem com o aprendizado de muitas línguas: o lingüista deve estar apto a
falar "sobre" uma ou mais línguas, conhecer seus princípios de
funcionamento, suas semelhanças e diferenças. A Lingüística não se compara ao
estudo tradicional da gramática; ao observar a língua em uso o lingüista
procura descrever e explicar os fatos: os padrões sonoros, gramaticais é
lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele uso em termos de um outro
padrão: moral, estético ou crítico.
As diferenças de pronúncia, de
vocabulário e de sintaxe observadas por um habitante de São Paulo, por exemplo,
ao comparar sua expressão verbal à dos falantes de outras regiões, como Rio de
Janeiro, Salvador, Recife, Belo Horizonte, muitas vezes o fazem considerar
"horrível" o sotaque de algumas dessas regiões; "esquisito"
seu vocabulário e "errada" sua sintaxe. Esses julgamentos não são levados
em conta pelo lingüista, cuja função é estudar toda e qualquer expressão
Lingüística como um fato merecedor de descrição e explicação dentro de um
quadro científico adequado.
O lingüista procura descobrir
como a linguagem funciona por meio do estudo de línguas específicas,
considerando a língua um objeto de estudo que deve ser examinado empiricamente,
dentro de seus próprios termos, como a Física, a Biologia etc. A metodologia de
análise Lingüística focaliza, principalmente, a fala das comunidades e, em
segunda instância, a escrita.
A prioridade atribuída pelo
lingüista ao estudo da língua falada explica-se pela necessidade de corrigir os
procedimentos de análise da gramática tradicional, que se preocupava quase
exclusivamente com a língua literária, como modelo único para qualquer forma de
expressão escrita ou falada. O prestígio e a autoridade da língua escrita em
nossa sociedade, muitas vezes, são obstáculos para os principiantes nos estudos
da Lingüística, que têm dificuldade em perceber e aceitar a possibilidade de
considerar a língua falada independentemente de sua representação gráfica. É
comum ouvir dizer de uma criança ainda não alfabetizada, que pronuncie mola por
mora, por exemplo, que "ela troca letra", quando na realidade ela
está substituindo um som por outro.
Os critérios de coleta,
organização, seleção e análise dos dados lingüísticos obedecem aos princípios
de uma teoria Lingüística expressamente formulada para esse fim. Os resultados
obtidos são correlacionados às informações disponíveis sobre outras línguas com
o objetivo de elaborar uma teoria geral da linguagem. Distinguem-se, aqui, dois
campos de estudos: a Lingüística geral e a descritiva. A Lingüística geral
oferece os conceitos e modelos que fundamentarão a análise das línguas; a Lingüística
descritiva fornece os dados que confirmam ou refutam as teorias formuladas pela
Lingüística geral. São duas tarefas interdependentes: não pode haver
Lingüística geral ou teórica sem a base empírica da Lingüística descritiva. É
possível, entretanto, que uma descrição Lingüística tenha outros objetivos,
além de oferecer elementos para a análise da Lingüística geral; o trabalho de
descrição de uma língua pode estar preocupado em produzir uma gramática ou um
dicionário, com o objetivo de dotá-la de instrumentos para sua difusão na forma
escrita, como no caso de línguas indígenas, africanas ou outras que ainda não
circulem no meio escrito.
No século XIX os lingüistas
preocuparam-se com o estudo das transformações por que passavam as línguas, na
tentativa de explicar as mudanças Lingüísticas. A Lingüística era histórica ou
diacrônica. Saussure, no início do século XX, introduziu um novo ponto de vista
no estudo das línguas, o ponto de vista sincrônico, segundo o qual as línguas
eram analisadas sob a forma que se encontravam num determinado momento histórico,
num ponto do tempo. A descrição Lingüística observaria "a relação entre
coisas coexistentes", que constituiriam o sistema lingüístico. Embora
defendesse a perspectiva sincrônica no estudo das línguas, Saussure reconhecia
a importância e a complementaridade das duas abordagens: a sincrônica e a
diacrônica. Em sincronia os fatos lingüísticos são observados quanto ao seu funcionamento,
num determinado momento. Em diacronia os fatos são analisados quanto às suas
transformações, pelas relações que estabelecem com os fatos que o precederam ou
sucederam.
A descrição sincrônica analisa
as relações existentes entre os fatos lingüísticos num estado de língua; os
estudos diacrônicos são feitos com base na análise de sucessivos estados de língua.
O estudo sincrônico sempre precede o diacrônico. Para explicar, por exemplo,
como o pronome de tratamento Vossa Mercê se transformou até assumir a forma
atual Você, pronome pessoal, é necessário comparar diferentes estados de língua
previamente caracterizados como tais e observar as mudanças que ocorreram na
expressão sonora e no uso.
Muitos lingüistas tomam a separação sincronialdiacronia
como um rigoroso princípio metodológico: ou se investiga um estado de língua ou
se investiga a história da língua. Temos, então, dois ramos da Lingüística: a
sincrônica e a histórica. Modernamente, a Lingüística sincrônica vem sendo
denominada Lingüística teórica, preocupada mais com a construção de modelos
teóricos do que com a descrição de estados de língua.
Como muitas áreas de estudo se
interessam pela linguagem, o estudo do fenômeno lingüístico na interface com
outras disciplinas criou várias áreas interdisciplinares: a etnoLingüística,
que trabalha no âmbito da relação entre língua e cultura; a sociolingüística,
que se detém no exame da interação entre língua e sociedade; a
psicoLingüística, que estuda o comportamento do indivíduo como participante do
processo de aquisição da linguagem e da aprendizagem de uma segunda língua.
5. Gramática: o ponto de vista normativo-descritivo
A gramática tradicional, ao
fundamentar sua análise na língua escrita, difundiu falsos conceitos sobre a
natureza da linguagem. Ao não reconhecer a diferença entre língua escrita e
língua falada passou a considerar a expressão escrita como modelo de correção
para toda e qualquer forma de expressão Lingüística. A gramática tradicional
assumiu desde sua origem um ponto de vista prescritivo, normativo em relação à
língua. A esse respeito é significativo lembrar que a primeira descrição
Lingüística de que se tem notícia, a do sânscrito, feita pelo gramático hindu
Panini (século IV a.c.) - em que pese seu propósito de assegurar a conservação
literal dos textos sagrados e a pronúncia correta das preces - surgiu no momento
em que a língua sânscrita culta (blasha) precisava ser estabilizada para defender-se
da "invasão" dos falares populares (prácritos), portanto num momento
em que uma determinada variedade Lingüística deveria ser valorizada e difundida.
Outras gramáticas antigas,
como as do árabe, grego e latim, também eram prescritivas e pedagógicas;
almejavam descrever a língua cuidadosamente, mas também prescreviam o uso correto.
Essa tradição normativa serve de modelo ainda hoje, principalmente nos países
onde há a preocupação em desenvolver e fortalecer uma língua padrão; ela
fornece argumentos para se acreditar que existe uma única maneira correta de se
usar a língua. Visto que a norma da correção é prescrita por uma fonte de autoridade,
as demais variedades são consideradas inferiores e incorretas. Por outro lado,
nas sociedades contemporâneas expressar-se segundo a norma, falar certo
continua sendo valorizado, porque a correção da linguagem está associada às
classes altas e instruídas, é uma das marcas distintivas das classes sociais
dominantes.
A tarefa do gramático se
desdobra em dizer o que é a língua, descrevê-la, e ao privilegiar alguns usos,
dizer como deve ser a língua. Na verdade, a conjunção do descritivo e do
normativo efetuada pela gramática tradicional opera uma redução do objeto de
análise que, de intrinsecamente heterogêneo, assume uma só forma: a do uso
considerado correto da língua. Na maioria dos casos, é esse uso o único que vai
ser estudado e difundido pela escola, em detrimento de um conhecimento mais
amplo da diversidade e variedade dos usos lingüísticos.
5.1. Normativo: falsas noções
Abordar a língua
exclusivamente sob uma perspectiva normativa contribui para gerar uma série de
falsos conceitos e até preconceitos, que vêm sendo desmistificados pela
Lingüística. Em primeiro lugar, está suficientemente demonstrado que a língua
escrita não pode ser modelo para a língua falada. Além do fato histórico de a
fala ter precedido e continuar precedendo a escrita em qualquer sociedade, a
diferença entre essas duas formas de expressão verifica-se desde sua organização
até o seu uso social. Está também claro para todo estudioso da linguagem que
não há língua "mais lógica", melhor ou pior, rica ou pobre. Todas as
línguas naturais possuem os recursos necessários para a comunicação entre seus
falantes. Se uma língua não possui um vocabulário extenso num determinado
domínio, significa que os seus falantes não necessitam dessas palavras; caso
contrário, ao tomar contato com novas realidades, novas tecnologias, os falantes
dessa língua serão fatalmente levados a criar novos termos ou a tomá-los
emprestado. São bastante conhecidos os exemplos da profusão de termos para
designar a caça e a pesca, por exemplo, que possuem determinadas línguas
faladas por povos que se dedicam a essas atividades e delas dependem para
sobreviver. Os Gbaya, caçadores, coletores e cultivadores da República
Centro-Africana, têm denominação para 82 espécies de lagartas, das quais 59 são
comestíveis.
Ao comparar as línguas em
qualquer que seja o aspecto observado, fonologia, sintaxe ou léxico, o
lingüista constata que elas não são melhores nem piores, são, simplesmente,
diferentes. Tampouco encontram-se evidências de uma língua que esteja próxima
do princípio de uma escala evolutiva, que possa ser considerada primitiva em
relação a outras já evoluídas. Todas as línguas até hoje estudadas constituem
um sistema de comunicação estruturado, complexo e altamente desenvolvido.
Nenhum traço da estrutura lingüística pode ser atribuído a um reflexo da
estrutura diferenciada de uma sociedade agrícola ou de uma sociedade moderna
industrializada.
6. Lingüística: o ponto de vista
descritivo-explicativo
A pesquisa Lingüística
desenvolvida no século XIX levou a separar cada vez mais o conhecimento
científico da língua da determinação de sua norma. A Lingüística histórica,
estudando em profundidade as transformações da linguagem, mostrou que as
mudanças Lingüísticas freqüentemente têm sua origem na fala popular: muitas
vezes o errado de uma época passa a ser consagrado como a forma correta da
época seguinte.
Mesmo se observarmos alguns
fatos do português contemporâneo verificaremos que as formas consideradas
"erradas" são freqüentes, mesmo na fala de pessoas cultas, ocorrendo
de forma bastante variável em alguns casos, como nos exemplos a seguir:
(1) "Fui no
Ibirapuera."
(2) "Ela foi na
feira."
(3) "Quero ir a
Bahia".
(4) " Nunca fui ao
Maracanã."
(5) "Vá já para casa."
Nesses casos, segundo a
tradição gramatical, o verbo "ir de movimento" deve ser empregado
apenas com as preposições a e para, observando-se para a escolha uma diferença
sutil de sentido: a introduz numerosas circunstâncias, como movimento ou
extensão; para indica movimento, direção para um lugar com a idéia acessória de
demora ou destino. No entanto, o uso mais freqüente prefere a preposição em,
com verbos de movimento, cujo emprego é considerado pelos gramáticos
normativistas solecismo de regência, que deve ser evitado.
Observamos, então, três
possibilidades de uso: duas variantes aceitas pelo padrão culto (exemplos 3, 4,
5) e uma terceira variante (exemplos 1,2) rejeitada por esse mesmo padrão.
Convém destacar que essa forma estigmatizada já tinha ocorrido no passado, em
textos arcaicos e em textos do século XIX.
A visão prescritiva da
linguagem não admite mais de uma forma correta, nem aceita a possibilidade de
escolha, que uma forma seja mais adequada para um uso do que para outro, como
seria o caso de uma expressão mais apropriada à língua escrita do que à falada,
ao uso coloquial do que a uma situação formal de comunicação.
A abordagem descritiva
assumida pela Lingüística entende que as variedades não padrão do português,
por exemplo, caracterizam-se por um conjunto de regras gramaticais que
simplesmente diferem daquelas do português padrão. O termo
"gramatical" éusado aqui com um valor descritivo: a gramática de uma
língua ou de um dialeto é a descrição das regularidades que sustentam a sua
estrutura. Assim sendo, os exemplos (1, 2) acima são sentenças gramaticais
dentro da variedade (dialeto) coloquial. A Lingüística, portanto, como qualquer
ciência, descreve seu objeto como ele é, não especula nem faz afirmações sobre
como a língua deveria ser.
Com o objetivo de descrever a
língua, a Lingüística desenvolveu uma metodologia que visa analisar as frases
efetivamente realizadas reunidas num corpus representativo (conjunto de dados
organizados com uma finalidade de investigação). O cor pus não é constituído
apenas pelas frases "corretas" (como a gramática normativa), também
inclui as expressões "erradas", desde que apareçam na fala dos
locutores nativos da língua sob análise. A descrição dos fatos assim
organizados não tem nenhuma intenção normativa ou histórica, pretende
tão-somente depreender a estrutura das frases, dos morfemas, dos fonemas e as regras
que permitem a combinação destes.
Dessa postura
teórico-metodológica diante da língua decorre o caráter científico da
Lingüística, que se fundamenta em dois princípios: o empirismo e a
objetividade. A Lingüística é empírica porque trabalha com dados verificáveis
por meio de observação; é objetiva porque examina a língua de forma
independente, livre de preconceitos sociais ou culturais associados a uma visão
leiga da linguagem.
As análises Lingüísticas
efetuadas, até os anos 1950, pelos seguidores de Saussure, na Europa, e dos
norte-americanos Bloomfield e Harris conformavam-se à teoria descritivista, que
julgava a descrição dos fatos suficiente para explicá-los. Chomsky, a partir do
final dos anos 1950, propõe que a análise Lingüística prenda-se menos aos dados
e preocupe-se mais com a teoria.
Para Chomsky não basta apenas
observar e classificar os dados, é necessária uma teoria explicativa que
preceda os dados e que possa explicar não só as frases realizadas, mas também
as que potencialmente seriam produzidas pelo falante. Para esse autor e seus
seguidores, um fenômeno só é explicado quando se pode deduzi-lo de leis gerais.
Denomina de gramática essa teoria. A teoria da gramática, como é conhecida,
trata de todas as frases gramaticais, isto é, todas as frases que pertencem à
língua; não se confunde com a gramática normativa porque não dita regras,
apenas explica as frases realizadas e potencialmente realizáveis na língua.
proposta. A intuição do falante é o único critério da gramaticalidade ou agramaticalidade
da frase - conceitos que não se confundem com a gramática normativa. É a
competência do falante que vai organizar os elementos lingüísticos que
constituem uma sentença, conferindo-lhes gramaticalidade. Uma seqüência de
palavras é agramatical (*) quando não respeita as regras gramaticais do sistema
lingüístico, do conhecimento internalizado de que dispõe o falante, como:
(*) Problema este muito seu difícil é.
A gramática é gerativa, porque
de um número limitado de regras permite gerar um número infinito de sentenças.
Reflete o comportamento do locutor que, a partir de uma experiência finita e
acidental da língua, pode produzir e compreender um número infinito de frases
novas.
Os gerativistas estão
preocupados em depreender na análise das línguas propriedades comuns,
universais da linguagem, que constituem a gramática universal (GU). As
propriedades formais das línguas e a natureza das regras exigidas para
descrevê-las são consideradas mais importantes do que a investigação das
relações entre a linguagem e o mundo.
Outra proposta de explicação
do fato lingüístico é apresentada pela gramática funcional, fundamentada nos
princípios do funcionalismo, que não separa o sistema lingüístico das funções
que seus elementos preenchem. A gramática funcional leva em consideração o uso
das expressões Lingüísticas na interação verbal; inclui na análise da estrutura
gramatical toda a situação comunicativa: o propósito do evento da fala, os
participantes e o contexto discursivo.
Estão relacionados à Escola Lingüística de Praga os
mais representativos desenvolvimentos da teoria funcionalista. A Escola de
Praga teve origem no Círculo Lingüístico de Praga, fundado em 1926. No que se
refere à estrutura gramatical das línguas, os lingüistas da Escola de Praga detiveram-se
na definição da perspectiva funcional da sentença. Considerando-se as
sentenças:
(1) José saiu ontem à noite e
(2)
Ontem à noite José saiu
pode-se afirmar que (1) e (2) são versões diferentes
da mesma sentença, mas pode-se dizer que a ordem das palavras é determinada
pela situação de comunicação em que os enunciados são proferidos e, em
particular, pelo que já é aceito ou dado como informação conhecida, e pelo que
é apresentado como novo para o ouvinte, verdadeiramente informativo, portanto.
Dentro da perspectiva funcional da sentença considera-se que a estrutura dos
enunciados é determinada pelo uso e pelo contexto comunicativo em que ocorrem.
Os diversos desdobramentos que
o funcionalismo apresenta na atualidade concordam com o fato de que a língua é,
antes de tudo, instrumento de interação social, usado para estabelecer relações
comunicativas entre os usuários. Nesse aspecto, aproximam-se do ponto de vista
do sociolingüista ao incluir o comportamento lingüístico na noção mais ampla de
interação social.
As possibilidades explicativas
expostas não são as únicas; correspondem a diferentes abordagens da língua, que
não se excluem, mas contribuem para compreender linguagem, língua, Lingüística
melhor O complexo fenômeno linguagem, que não se
esgota no estudo das características internas à língua, em termos de
propriedades formais do sistema lingüístico, mas se abre para outras abordagens
que considerem o contexto, a sociedade, a história.
Bibliografia
BENVENISTE, Emile. Linguagem humana e comunicação
animal. Problemas de Lingüística geral. São Paulo:
Nacional/Edusp (tradução do francês), 1976. CHOMSKY, Noam. Syntactic Structures. The Hague:
Mouton, 1957. HAMPÂTÉ
BÂ, Amadou. La tradition vivante. Histoire générale de l'Afrique. 1- Méthodologie
et préhistoire
africaine.
Paris: Présence Africaine/Edicef/Unesco, 1986.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingüística geral. São
Paulo: Cultrix/Edusp, 1969.
Sugestões de leitura
As indicações apresentadas têm o objetivo de oferecer
ao leitor a possibilidade de formar uma visão geral da Lingüística, visto que
os capítulos seguintes desta obra aprofunda
rão o
desenvolvimento das questões aqui apenas introduzidas.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingüística geral. São
Paulo: Cultrix, 1969.
É a obra clássica que fundou a nova ciência. Sua
leitura sempre esclarece e provoca novos
questionamentos sobre o objeto "heteróclito e
multifacetado" que é a linguagem.
BENVEN1STE, Emile. Problemas de Lingüística geral. São
Paulo: Nacional, 1976.
A obra reúne estudos importantes sobre os mais diferentes
aspectos dos estudos lingüísticoso
KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Lisboa:
Portugal, 1969.
A autora apresenta a história da reflexão sobre a
linguagem, destacando as concepções e
representações que permitiram à Lingüística constituir-se
como ciência.
ORLANDI, Eni Puccinelli. O que é Lingüística? 4".
ed., São Paulo: Brasiliense, 1990.
A autora faz uma apresentação geral das questões
pensadas pela Lingüística e destaca as
tendências atuais que se voltam para o estudo da heterogeneidade
e diversidade, observadas no uso concreto da linguagem, por falantes situados
num determinado contexto sócio-histórico.
A consulta de manuais introdutórios à Lingüística é
interessante por mostrar uma visão de conjunto e para esclarecer as noções fundamentais
da área. As três obras selecionadas apresentam a Lingüística sob diferentes
enfoques complementares:
LOPES, Edward. Fundamentos da Lingüística contemporânea.
São Paulo: Cultrix, 1991.
BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos estudos Lingüísticas.
9". ed. São Paulo: Nacional, 1986.
23
24
Introdução à Lingüística
LYONS, John. Linguagem e Lingüística. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987.
Dicionários especializados podem esclarecer dúvidas
sobre conceitos e vocabulário específico da Lingüística. Dentre as várias
publicações do gênero há uma em português:
DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de Lingüística. São
Paulo: Cultrix, 1993.
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